quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Almas de Papel

   Tudo está errado. Não me encaixo mais na minha rotina diária como costumava. As pessoas parecem mais tediosas, repetitivas, e eu perco a paciência com mais facilidade. Minha cabeça está cheia de sonhos incompletos e pensamentos pecaminosos, enquanto minhas ações se mostram, como sempre, inúteis. Só o que quero, mais do que nunca, é deitar. Não dormir, apenas deitar e deixar o mundo caótico ser ele mesmo enquanto meu travesseiro simplesmente não causa mais a sensação de conforto e leveza que sempre causou. Através dele percebo que nada está certo. Nem meus suspiros são tão profundos ou descompassados quanto antes. Agora são longos e intermináveis... Alguns chamariam isso de depressão. Eu, por outro lado, egocêntrico como sempre, costume o qual não perco apesar de tudo, não acho que o problema seja comigo. Nunca acho.
   A verdade é que todos parecem mais... Crus. Todos. Olham para mim como se fossem me julgar, cuspir verdades em mim, vomitar seus pensamentos mais sinceros e grotescos na minha cara. Eu revido com olhares de desdenho e antipatia, palavras secas e gestos rudes. Claro que eu saio como o vilão da porra toda. Parece que não entendem o que estou vivendo. Penso que não entendem mesmo. São erradamente felizes e alegremente distraídos demais pra perceber tanta tristeza em suas vidas porcamente vividas. São bestialmente cegados e ordenados por um ser pragmático e onipresente de vinte e duas polegadas, às vezes mais, às vezes menos, que lhes causa uma sensação caluniosa de segurança e status. Prazer.
   Andar na rua, porém, tornou-se tarefa árdua para mim. Na rua estão as pessoas. Nas pessoas, os espelhos das minhas irracionalidades, as quais guardo e lacro dentro da minha frágil caixa de sanidade. Protegendo esta caixa estão o guardião amarelo e a amazona branca. Cavaleiro Trileptal e Guerreira Losartana se tornaram minhas drogas, meus vícios. Se tornaram parte de mim e não vão me deixar tão facilmente. Pelo menos não enquanto minhas desilusões não me machucarem tanto ou os golpes de realidade em mim proferidos não causarem feridas tão profundas. Meu reino está em ruína constante, mas como bom líder de mão frouxa, eu finjo que está tudo bem.
   O que mais me assusta na verdade é a minha irreal capacidade de ver a alma das pessoas. Chamo de capacidade, pois não é algo bom o suficiente pra ser chamado de poder ou bênção, nem uma catástrofe a ponto de ser chamado de maldição. Não são as almas de todos que consigo ver... Pelo menos não eram. Até semana passada eu via a alma daqueles que eu não tinha estômago o suficiente pra olhar os olhos. Aqueles e aquelas que fizeram algo de ruim pra mim ou pra qualquer outro alguém. Em sua maioria eram adultos sem escrúpulos nem discernimentos, mas isso já não é mais uma regra. De segunda-feira pra cá isso começou a se manifestar em todos. TODOS. Eu só queria entender a razão disso.
   O que eu quero dizer é: de que serve enxergar a alma de cada pessoa viva nesse mundo se eu não sei o que fazer a partir daí? Será isso um sinal divino? Um chamado? Serei eu um escolhido pra alguma missão fantástica e sobrenatural, cheia de monstros e seres fantasiosos em um mundo mítico? Creio que não. Tentei falar com Deus da minha maneira desajeitada e silenciosa, mas não recebi resposta. Ou recebi e não soube decifrá-la. Procurei na Internet, mas todos sabem o que acontece quando um pseudo-adulto acessa o Google. Perguntei pra minha mãe em um último momento de esperança de uma resposta racional, mas recebi apenas lágrimas e mais um guardião para o meu castelo. Não pude memorizar sua cor nem seu nome, sei apenas que ele não me ajudou com meu problema do travesseiro.

   Faz duas horas que não enxergo mais as pessoas, apenas suas almas de papel. Criaturas esguias, lânguidas, buracos no lugar dos olhos e um sorriso desenhado a lápis de maneira forçada, como por uma criança irritadiça. Sorriso irônico, debochado, vil. Tais seres me causam horror, mais do que os humanos que eles habitam, e isso me causa tontura. Suas mãos sem dedos rasgam minha pele ao me tocarem; as letras que escorrem de suas bocas e lambem seus corpos abstratos formam palavras ofensivas. Meus pensamentos aparecem escritos em suas barrigas pálidas, e eles zombam de mim. Aqueles que um dia foram meus pais dançam desastrosamente na cozinha, enquanto amaldiçoam minha chegada. Me olho no espelho, e meu reflexo me mostra o que minha mente já havia assimilado: também sou assim. Todos somos assim. Todos somos maus. Ninguém marca sua passagem sem pelo menos um rastro de maldade. Sorrio para mim mesmo, enquanto observo a palavra “SOLIDÃO” ser escrita onde um dia ficou meu coração.

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