domingo, 7 de maio de 2017

Avalanche

   Fazia tempo que não se sentia assim. Disse à todos que iria fumar um cigarro, mas saiu pela porta e desde então estava caminhando a esmo. Seus passos eram lentos, curtos, pesados e arrastados. Seus óculos estavam sujos, mas não importava. O frio daquela madrugada de sábado batia contra a jaqueta grossa, mas não era o frio que arrepiava sua pele tatuada. Saiu da festa pois as músicas haviam perdido o sentido, as bebidas perderam o gosto e a companhia perdeu o tesão. No meio de tantas luzes e batidas, se viu diante de um cenário sem sentido, em que tudo que via era tudo que não queria ver. Mais do que depressa, deu a primeira desculpa que lhe veio à cabeça e saiu pela porta.
   Então andou. Sem pressa, sem rumo, simplesmente andou. Viu prédios por ângulos diferentes, carros atingindo velocidades que, durante o dia, não atingiriam e principalmente, viu pessoas. Pessoas das mais diversas formas e tamanhos, culturas e sonoridades. Passou por todas como se fossem mera paisagem. Não sabia para onde estava indo, mas sabia que não queria que lhe perguntassem.
   Não só andou, também pensou. Sobre tudo, sobre todos. Não havia bebido, estava pensando demais. E a cada pensamento seus passos diminuíam. Tirava conclusões, sussurrava nomes, olhava para trás, mas em nenhum momento fez menção de voltar. Perto do rio, se sentou em um banco e chorou. O sol já começava a pincelar o ceu, ainda estava frio e as lágrimas secavam rápido em seu rosto. Gritou algumas vezes de frustração, pegou o celular mas o guardou, não havia bebido nada naquela noite. A vida já estava voltando a acontecer na cidade. A sua, prestes a desmoronar.
   Chegou em casa com mais fome do que sono. A viagem de volta havia sido mais longa, apesar de mais rápida, pois só pensou nela. Ainda estava na cama, os pés descobertos, então fez silêncio. Comeu o sanduíche de peito de peru e salada que ela havia deixado pronto na noite passada junto de um copo de suco de pêssego, tirou a jaqueta e se olhou no espelho. O cabelo comprido lhe incomodava, mas ela gostava. Tirou os óculos e o sutiã por baixo da blusa e, quando ela abriu por completo a porta do quarto ao acordar com um olhar de dúvida no rosto, tudo que pôde dizer foi: "Me perdoa".

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